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Os Atletas Convidam à Leitura

O que é que acontece quando se juntam três atletas, uma hora de conversa e o Parque Eduardo VII como cenário? Histórias contadas, risos dados e uma tarde bem passada na companhia de Lisboa Capital Europeia do Desporto 2021.

Os ponteiros marcavam pouco mais do que as 17 horas do dia 28 de agosto, sábado, quando se deu início à tertúlia “Atletas convidam à leitura”, uma tertúlia que contou com a presença de Diogo Ganchinho e Inês Henriques como convidados e Nuno Delgado como moderador. Aqui não só a importância da prática desportiva é realçada, como são apresentadas sugestões para quem se esteja a iniciar no mundo da leitura.


Os convidados

Diogo Ganchinho –Praticante de trampolim, tem no seu currículo diversos títulos onde se destacam o de campeão europeu em 2018, a medalha de bronze em campeonatos europeus em 2021, a medalha de bronze em 2019 nos jogos europeus e a medalha de prata nos campeonatos de mundo de All Around.

Inês Henriques – Praticante de marcha, conhecida pela sua postura de intervenção no que toca aos direitos das mulheres no desporto olímpico, tem no percurso o título de campeã do mundo de marcha, 50 km, em 2017, onde marcou o recorde mundial em 04:05.56 (sendo ultrapassado em 2019 por Liu Hong com 03:59.15) ou a medalha de ouro em Berlim em 2018.


Relação com a leitura

Inês começa por nos contar que sofria de dislexia, o que acabou por influenciar a sua relação com os livros, sejam eles os escolares ou os recreativos. O atletismo, matéria onde se destacou desde bastante cedo e onde fazia “mais do que o que o meu treinador me pedia”, ao ponto de este a proibir em certas alturas de treinar todos os dias porque “queria fazer sempre mais”.

No entanto, no 12º ano há uma viragem, quando a professora de biologia deteta a dislexia e a atleta assume a dificuldade, não a escondendo, sendo este um “momento de viragem” que a levou até à licenciatura de enfermagem “onde tinha de ler imenso”.

“Eu descobri a leitura um bocadinho mais tarde”, começa por dizer Diogo Ganchinho, ao qual acrescenta que sempre foi direcionado mais para a motricidade, para o movimento, mas que lia muitos artigos sobre desporto. Contudo, com o tempo a leitura “tornou-se uma companhia”, sendo uma forma de lidar com o percurso “solitário do atleta”, e tornando-se num hábito que o acompanhou ao longo destes anos de competição.

Diogo Ganchinho reforça ainda a ideia de que “ler não tem só de ser só ler livros, hoje em dia temos acesso a artigos, revistas, leituras super interessantes, acho que é uma coisa muito pessoal”.  


Equilíbrio entre atividade de física e o gosto da leitura

“O desporto é um fenómeno universal, ultrapassa fronteiras, espaços geográficos, culturas, ultrapassa crenças, é um fenómeno social total, pode ser visto e observado em todo o mundo, é universal”, diz-nos Carlos Neto, professor catedrático na Faculdade de Motricidade Humana, que se encontra na plateia, após ser desafiado pelo moderador.

O professor refere que esta é, também, uma forma de superação que começa quando nós nos começamos a mover e a confrontar-nos com o mundo que nos rodeia, sendo esta a primeira forma de aprender a ler. “As pessoas pensam que ler está independente do corpo, não, corpos ativos dão cérebros ativos e, portanto, as coisas estão ligadas através das emoções e dos afetos”. Ou seja, “quando eu movo o meu corpo eu estou a aprender a ler, a contar, a escrever porque, desde o jogo da macaca até outras atividades lúdicas que fazemos desde criança, estamos a assimilar um conjunto de conceitos que são absolutamente fundamentais para linguagens abstratas, como é o caso de ler, escrever ou contar”, acrescentando ainda que o nosso cérebro é espécie de massa esponjosa que vai evoluindo ao longo da idade em função, também, das experiências ativas que tem.

Carlos Neto acrescenta ainda que um dos grandes problemas que vivemos atualmente prende-se com o facto de vivermos num excesso digital, “se olharmos para as pessoas o que vemos são telemóveis, computadores, tablets o que significa que é uma verdadeira hecatombe muscular, morfológica, mental, emocional, social porque as pessoas passam a maior parte do dia a dia sentados”.


A infância

“A minha infância continua bastante presente, ainda hoje surfei quatro horas”, é assim que o atleta começa por se referir à sua infância. Uma infância que, de acordo com o atleta, foi muito tempo passada fora de casa, “cresci muito na rua”, onde teve o “máximo de experiências” e onde experimentou muitos outros desportos, “apesar do meu foco ter sido na ginástica de trampolins”, permitindo que se tornasse “o que sou hoje”.

Já Inês Henriques partilha que a sua infância foi num sítio muito pequenino, perto de Rio Maior, onde as únicas crianças eram ela, a sua irmã e as suas duas primas. Foi uma infância onde iam para a escola primária a pé, andavam descalças e foi “muito, muito feliz”.


Sugestões de Leitura

No que toca a sugestões de leituras, os três atletas presentes deixaram propostas bastante diversificadas.

Nuno Delgado aconselhou “Small is beatiful”, uma leitura relacionada com questões de ecologia na economia, tratando-se de “um tema que hoje em dia, apesar de estarmos em pandemia, não nos podemos esquecer [que é] a relação que temos com o consumismo e com o planeta”, refere.

Já Diogo Ganchinho escolhe “Zero to one” de um dos cofundadores da paypal, e que nos transmite que “basicamente esse zero to one é um é melhor do que nada. Mais vale fracassares e fazeres alguma coisa do que a fazeres absolutamente nada”.

“E eu revejo-me naquilo que é a ideia deste livro, de que devemos fazer alguma coisa, que isso é sempre melhor do que nada, mesmo que seja um fracasso. E isso, se calhar, foi um mote que a ginástica de trampolins sempre me transmitiu. Eu sempre tive facilidade em fazer surf, em andar de skate, jogar futebol, nos trampolins, na primeira competição havia um palco à frente fiz um mortal e fui contra o palco, foi um desastre e aquilo fazia-me voltar. Isto não é fácil, é realmente um desafio enorme”, finaliza.

“Eu gosto de ler algo que de alguma forma que aumente a minha cultura”, declara Inês Henriques, tendo sido o Carteiro de Auschwitz o último livro que leu. A escolha recaiu sobre este livro devido a uma necessidade de perceber como foi realmente o campo de concentração e a atleta aconselha-o a “quem não esteja de alguma forma informado sobre o que se passou, que dá, de alguma forma a visão do que aconteceu, das barbaridades humanas que existiram ali”.